terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Conversas em volta da Fogueira – 2


Após o último conto, as crianças e Harold foram descansar. Ele, teria que fazer algumas pesquisas antes da história que pediram para contar, elas, tinham trabalho a fazer. Durante o dia, tudo transcorreu normal, com as crianças mais animadas para fazerem o trabalho, afinal, queriam ficar livres logo, para conseguirem ouvir a história.

A única coisa que chamou a atenção do professor foi a ligação de uma amiga, que falava nervosa ao telefone, precisando que ele transcrevesse uma sequência de símbolos para o inglês. Ele disse que faria, e pela manhã iria enviar.

Ao se reunirem em volta da fogueira, Harold prestou atenção no rosto de cada criança. A meia luz do fogo fazia com que eles ficassem ainda mais ansiosos. Lisa, como sempre, quebrou o silêncio:

- Então, professor... Conte-nos a história sobre espíritos...

- Estava pensando apenas em como começar.

- E por quê? – perguntou Andrew, um rapaz loiro e com cara de curioso

- Porque é herética...
Vai contra tudo o que já foi dito sobre criação do mundo...

- Eu não me  importo, meus pais são budistas... – disse Yugi, um garotinho oriental

Carla aparentemente ia dizer algo, e Harold podia notar que não seria bom... A menina usava uma cruz dourada no peito, e ele ia contar a história mais herética de todas... Mas, logo Lisa interveio.

- Conta logo, professor. – olhou feio para Carla – Todos sabemos que histórias são apenas histórias.

Ele deu um ar de riso...

- É, histórias são apenas histórias... – e começou a contar.


Quando não havia nada no mundo, Ele existia. Um ser composto apenas de energia, que não se sabe quando deixou de ser energia e passou a ser Ser, ou quando apenas se tornou Ser. Ou ainda, se sempre foi Ser. O que importa, é que ele se declarou Rei, mas sem um reino. O Rei então, quis começar a criar algo, e, sua natureza o levou a procurar por alguém, para ser sua Rainha, e ele a criou, dividindo uma parte dele. Assim, nasceu uma outra metade, a Rainha.
E como ele era tudo, e se dividiu, um pequeno espaço em branco se formou entre as duas partes. Enquanto a Rainha estava dormindo, o Rei pensava e pensava. Aquilo não existia ali antes, aquele espaço infinito que parecia tão pequeno... Fruto de sua divisão. Aquilo tinha que ser preenchido para que tudo fosse único de novo... E ele se lembrou de como criou a Rainha, com uma palavra: Ser. Assim, tentou experimentar de novo, e criou Árvore. Um novo ser surgiu, olhando atentamente para seu pai, que ficou fascinado... Então, ele poderia criar novas coisas para habitar aquele lugar. E assim foi...
 Rei ia concebendo a Primeira Língua, e cada palavra que dizia, criava um novo Ser, que por sua vez podia criar novos seres, de forma mais limitada que seu pai, mas podia! Os humanos, mais tarde chamariam esse processo de Gênesis. Quando terminou de conceber sua língua, a Rainha acordou, e se deparou com aquela maravilha toda. Sem conseguir se conter, perguntou se poderia ajudar o Rei a criar, e ele, empolgado, aceitou. Com suas próprias características, a Rainha delineou tudo o que foi criado, fazendo com que aquelas criaturas começassem a interagir entre si. E foi ela, quem primeiro observou que, do outro lado de uma barreira, se refletia tudo o que faziam. Confidenciando esses fatos ao Rei (agora também chamado Pai), pediu permissão para olhar o outro lado. Em sua sabedoria, o Rei disse que não.
Mas a Mãe não poderia segurar sua curiosidade. Então, ela simplesmente foi até lá. E se deparou com um reflexo do que ela e o pai criaram. E se fascinou. As coisas ali possuíam outra substância, refletiam os Seres do  Lado de Lá. Então, ela não se segurou, e tentou usar o poder de criar, ali. Assim, foi nomeando seres e mais seres para habitar aquele belíssimo lugar.
Quando deixou tudo do jeito que queria, retornou, acreditando que o Rei nada saberia sobre sua escapada. Ao chegar em casa... o Rei a esperava, mostrando-lhe o caos.
 Cada ser que ela criou no mundo teve uma repercussão onde ela e o Rei viviam. E eles geraram consigo novos Seres e trouxeram uma grande desordem ao que eles haviam criado. A Rainha, indignada com o fato de ser repreendida pelo Rei, indagou por quê ele podia criar a tudo e ela não poderia ter a parcela dela. Ele disse que, se ela tivesse a sabedoria de agir em conjunto com ele, nada disso teria acontecido. Dessa forma ela olhou para o rei uma última vez e atravessou a barreira, bradando que criaria uma raça independente dos Espíritos, como, naquele momento, o Rei e seus filhos passaram a ser chamados. Usando toda sua capacidade, isolou metade da Criação para ela, e voltou para o mundo que descobrira, criando então seres que seriam capazes de se igualar à criação dos espíritos um dia, mesmo que para isso, tivessem de destruí-los.
 Assim foram criados os humanos.


    Ah professor! – Carla soltou – Isso não é possível. Nada disso consta na Bíblia.

 - Sim minha querida, eu sei. Porém, consta na história que...



Os primeiros humanos que a Mãe criou foram chamados de Adão e Lilith. E ela foi lhes ensinando o que podia e o que sabia, como uma força que movia os seres a toda sua capacidade. Adão não se interessava muito, mas Lilith... Ah, ela era uma aluna exemplar, e tudo aprendeu com a Mãe. Até que um dia, Lilith atravessou a frágil barreira para o então nomeado Spiritum. Na presença do Rei em pessoa, ela anunciou um ataque por parte da Mâe, e logo foi contida. O de Muitos Nomes, como seria conhecido mais tarde, puniu Lilith com a destruição, e seu sangue de ser imortal e perfeito fora derramado, enrijecendo a barreira entre Spiritum e Materium, ao mesmo tempo em que o Rei rapidamente avançava sobre a Mãe, que chorava sua perda. Forçada a diminuir seus domínios, o Rei fora incapaz de matá-la, e ela então se aninhou para chorar, adotando o nome de Dama Oculta, nome que permaceria por milênios.
 Antes de ir embora, o Rei deu uma olhada na tristeza de Adão, e, fez para ele – retirando uma costela para entender como ele era constituído – uma nova mulher, chamada Eva.



- Daí por diante, a história é igual à Bíblia.

- Isso é tudo besteira! – Carla levantou e, impacientemente, foi embora.

Harold olhou para todos eles, assustados, e sorriu.

- Isso é apenas uma história...

Lisa o olhou de volta...

- Se é igual à Bíblia, então... a Dama Oculta seria o Diabo? – a palavra fez os outros ficarem um tanto receosos.

- Não. Para entender isso, demoraria muito. Eu sei que, até mesmo essa história já foi muito por uma noite.

- Continue amanhã – respondeu, impassível, a menina.

Harold pensou...

- Por que não? São apenas histórias...

E se levantou para ir embora. A noite seria longa, e ele precisava traduzir aqueles símbolos...


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